sábado, 3 de março de 2018

Pequena (parte da) história sobre a Batata Frita


“A batata frita é filha da cozinha da rua, da baixa gastronomia. Por isso é difícil estabelecer sua certidão de nascimento". Li essa frase em alguma entrevista, na internet, e acabei ficando com ela martelando na minha cabeça por dias. E, como batatas fritas são do meu agrado, a frase acabou sendo a motivadora para essa postagem. No entanto, não se fará aqui uma introdução sobre a origem da batata, muito menos sobre as viagens que a espalhou pelo mundo – mas, confesso, que isso renderiam excelentes posts. Apenas, queria registrar algo sobre as batatas fritas, que nos tempos atuais é um dos produtos culinários mais conhecidos e consumidos no planeta – talvez até além dele (risos).

Sabe-se que as batatas demoraram um bom tempo para conquistar a França e, sem a existência de Parmentier, Deus sabe quanto tempo a mais teria tomado para que elas chegassem na França. Mas, em outros lugares na Europa ‘la patate’, como era chamada no sul, já era um grande sucesso, especialmente no norte do continente europeu e na Grã-Bretanha – algumas variedades de batatas existentes àquela época desapareceram, mas vieram outras tantas, e junto com elas outros métodos de preparação e receitas mil para que pudéssemos aproveitar o máximo da versatilidade das batatas.


As batatas fritas antes de estarem à disposição dos comensais do veloz século XXI, era chamada antes disso de "les frites".  Ao que acreditam alguns estudiosos, Les frites provavelmente tenham aparecido inicialmente no norte da Europa, mas há vestígios de que foi no século XVI, na Alemanha, onde pedaços grossos ou fatias de batatas aparecem descritas sendo fritas em uma panela cheia de manteiga - inicialmente morna e depois fervente. Esta forma de proceder vai se espalhar na Europa e também na França com a mania de esnobismo, para em seguida, se tornar popular.
Porém, manteiga em quantidade era um produto caro e não muito difundido na classe desfavorecida, era mais fata em meios rurais e pouco usada pela classe trabalhadora. Tão rápido quanto a década de 1830, aprenderam a cozinhar com banha e outros tipos de gorduras – dizem alguns que a graisse de boeuf continua a ser a melhor gordura para se preparar fritas, ou todas as banhas animais que viriam a ser usadas no decorrer daquele século.

De 1886
Um fato importante e que não deve ser esquecido, é que a batata já salvou a Europa da fome durante o século XIX, na França seria a base do alimento desde o início do século XIX, e sua cultura explodiu literalmente em alguns milhares de quintais - numa estimativa de 42 milhões quintais em 1852 e 130 milhões quintais no final do século –, sendo cultivadas em todos os lugares.

Quintal é a denominação de várias unidades de medida de massa. Consoante ao país e à época, o quintal teve vários valores. Em Portugal, o Quintal teve vários padrões ao longo dos tempos. Com as Ordenações Manuelinas, 1 quintal era de 4 arrobas. Nesta altura a unidade era o marco de Colónia. No tempo dos Descobrimentos, havia dois tipos de "quintais": Quintal de peso grande ou ordinário (o mesmo que está exibido na tabela de abaixo): tinha 4 arrobas de 32 arráteis e 512 onças (16 onças por arrátel); e, Quintal de peso pequeno: tinha 4 arrobas de 28 arráteis e 392 onças (14 onças por arrátel). O quintal curto ou quintal dos Estados Unidos (abreviado "cwt") é denominado s em inglês, e equivale a 45,359237 kg; O quintal longo ou quintal britânico (também abreviado "cwt") é uma antiga unidade de medida britânica, denominada long hundredweight em inglês, equivalente a 50,80234544 kg.

A base dos alimentos entre os camponeses, citada por Frederic Leplay (1806-1882) em sua revisão “Les ouvriers des deux mondes” (Trabalhadores de ambos os mundos), descreve a refeição típica de uma família camponesa francesa ao meio-dia, em 1863, como sendo a seguinte: "ao meio-dia, os camponeses comem uma sopa de legumes e batatas ao vapor ou misturam com batatas fritas, e pão a critério, esta é a refeição principal do dia’.

Os utensílios usados para preparar a batata frita não mudaram muito em boa parte do século: bastava ter uma panela de ferro fundido que foi, rapidamente, apelidada na cozinha de ‘la Négresse’, devido à sua cor preta devido ao acumulo do excesso de gordura; e uma écumoire (escumadeira) de linhas de ferro apelidada de’ l’araignée’ (que lembra uma teia de aranha) eram, com a ajuda de uma faca, os utensílios necessários para o preparo das fritas.
  As cestas de fritura ou peneiras de fritas (le panier a frite) vieram mais tarde, no final do século XIX, e a chegada de gás e depois da eletricidade, mudaram a maneira de preparar fritas e especialmente deram velocidade de execução – com máquinas especiais de descascar e cortar, em tamanhos e formas inusitadas, e máquinas e panelas especiais para fritar, inclusive sem óleo.



Mas naquela época (séc. XIX) não havia variedade particular de batatas para serem fritas, a célebre bintje ainda não existia como também não existiam as Vitellotes que são deliciosas fritas, nem a variedade alemã Bonne Wilhemine.
No entanto, desde o início do século XIX, podia-se encontrar nos mercados e pelas ruas das cidades mercadores vendendo batatas ao vapor, cozidas em panelas com água sob grelhas ou em braseiros, que por volta da década de 1830 eles serão transformaram em mercadores de batatas fritas, substituindo as batatas cozidas em vapor por fatias finas ou pedaços mais grossos de batatas que eram fritos no melhor dos casos em saindoux (banha de porco) ou em outras gorduras animais. 

LE MARCHAND DE FRITES , MARCEL BOVIS , 1904-1997.
Esta profissão continuará a desenvolver e prosperar ao longo do século, muitas vezes vendendo marrons (nome dado as castanhas portuguesas) nos invernos. Todos os bairros nas grandes cidades tiveram seus mercados de batatas fritas, que trabalhavam até muito tarde. Uma fato, vindo da França, apresenta uma regulamentação policial da cidade de Paris que obrigou os mercadores de fritas a encerrar à meia-noite seus trabalhos, e sabe-se que os mercadores de fritas, durante todo o século XIX até meados do século XX, foram responsáveis por alimentar muitos estômagos dos famintos.


Naquele período, preparar fritas na manteiga não era fácil, o tempo de cocção na manteiga demorava mais, também se perdia muita manteiga com as frituras pois ela queima com facilidade, e manteiga era um produto caro para ser desperdiçado. Por isso inventaram a técnica conhecida como le pochage de frites ou o blanchir les frites que consistia em cozinhar primeiro em água quente e depois de bem secas mergulhá-las em óleo bem quente – como se deve fazer para ter uma batata sautée clássica.


 Então, finalmente, no final do século XIX, passaram a blanchir em outras gorduras que não manteiga, como as banhas animais e óleos, para em seguida deixar dourar em outro recipiente com óleo fervente. Essa maneira de preparar batatas ficou conhecida como pommes frites soufflées, pois as batatas incham a partir da segunda fritura – para nossa lástima nem todas as variedades de batata moderna dão esse resultado, uma pena.


MARCHAND DE FRITES , PARIS 1906.


Nota-se que o meio e o sul da Europa serão afetados pelo fenômeno dos três quartos do século XIX, com algumas variações: como o uso de azeite de oliva no sul e em algumas regiões de Itália, o uso também de cebolas fritas ao mesmo tempo que batatas fritas. Também podemos indicar a prática de usar outros vegetais fritos, além de batatas, levando o nome de les frites, como:  les panais (pastinaca sativa), cenouras, les topinambours (conhecida como tupinambo ou alcachofra-girassol), e depois o inhame e a batata-doce.
Embora considerados como um prato pobre, as fritas alimentaram muita gente nos ‘bouillons’ franceses (o termo significa literalmente ‘fervidos, caldos’, refere-se a restaurantes populares que tinham preços baixos), como o Veau qui Tête, o Borel ou les bouillons Durant, a primeira cadeia de fast food e barata, teve, no entanto, a sua nobreza graças às famosas batatas fritas de Maxim's ou à da cervejaria que abriram, meio anarquista individual, em Lisboa, conhecida como "la frite Révolutionnaire ".


Mas a história das fritas tem muito ‘pano para a manga’: ainda se questiona, por exemplo, a verdadeira origem da preparação. A discussão principal volta-se sempre entre Bélgica, França e Espanha. O historiador belga Jo Gerard já menciona batatas serem fritas em 1681 nos Países Baixos, hoje na região da Bélgica. De acordo com Jo Gerard, um historiador belga, aparentemente, segundo Gerard, os habitantes pobres da Bélgica tinham frequentemente peixe frito, de pequenas dimensões, nas suas refeições. Mas quando o rio congelou e a maioria das famílias não conseguia pescar, passaram a usar batatas fritas em óleo nas suas refeições. Essas batatas eram cortadas longitudinalmente e para darem um aspecto parecido com os pequenos peixes. Ainda em relação à Bélgica, existe também uma lenda que refere que alguns soldados americanos, ou britânicos, teriam ido à Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial só para provaram as batatas fritas belgas. Terá derivado desta visita o atual hábito anglo-saxónico de chamar “French Fries” às batatas fritas, tudo devido ao facto da língua oficial do exército da Bélgica ser o francês.
Existe, porém, outro país com a mesma língua, candidato a criador das batatas fritas: a França. Lá, há registros de receitas de batatas fritas no livro Les Soupers de la Cour, de Menon, publicado em 1758. Em alguns países o nome do prato faz alusão à origem francesa, essas batatas fritas eram simplesmente referidas como “pommes frites” ou “les frites”.
E, finalmente temos os espanhóis que acham que devem ser reconhecidos como os inventores das batatas fritas. Com a alegação do prato ter sido criado na Espanha, primeiro país a receber as batatas do Novo Mundo. De acordo com o curador do Frietmuseum de Bruges, na Bélgica, o Professor Paul Ilegems, Santa Teresa d'Ávila teria fritado as primeiras batatas, de acordo com o costume da cozinha Mediterrânea de pratos fritos.
Paul Ilegems se baseia em uma carta datada de 19 de dezembro de 1577 enviada por Teresa D’Avila à madre superiora do convento do Carmo em Sevilha, agradecendo o envio das batatas e outras hortaliças. Teresa disse: “Recebi as batatas, e a vasilha com sete limões. Chegou tudo certo”. Mas o jornalista e crítico gastronômico Cristino Álvarez opina, em um artigo, que não acredita que essa teoria seja provável. Álvarez afirma que “a batata a que se refere a santa é a chamada batata de Málaga, um tubérculo trazido por Colombo do Haiti em sua primeira viagem. Foi preciso esperar meio século para ter notícias da batata propriamente dita. ” O que é certo é que, a partir de 1573, no livro de registros de um hospital, aparece o recebimento deste tubérculo nutritivo vindo de um dos conventos das Carmelitas Descalças (ordem fundada por Teresa D´Ávila).


Vale lembrar que essa disputa é pela invenção da batata cortada em formato de bastões, fritos em bastante óleo. Mas as batatas cortadas fininhas e no formato arredondado, conhecidas por “chips”, surgiram por acidente no ano de 1853, em um restaurante de Nova York. O chef, diante das queixas de um cliente que sempre o recriminava por não cortar as batatas finas o suficiente para ele, decidiu dar uma lição ao homem, cortando-as de forma tão fina, que ele não conseguiria pegá-las com o garfo. O resultado foi o contrário: o cliente ficou surpreso e completamente satisfeito. Depois, todos os clientes começaram a pedir aquela nova e deliciosa especialidade.
Contudo, na história das colônias do Novo Mundo, a Espanha é tida como o primeiro país europeu onde se comiam batatas fritas e era um costume serem usadas como acompanhamento de pratos de peixe. Este costume começou na Galiza e mais tarde espalhou-se pela Espanha, Países Baixos e acabou chegando à Bélgica passado um século. Dessa forma, a que conclusão chegar? O certo, é que não se sabe ao certo quem inventou a batata frita, mas que esses três lugares contribuíram muito com a popularidade inicial.
Abaixo seguem alguns tipos de batata frita mais conhecidos:

Les cheveux d’or
O cabelo dourado é batata-frita cuja largura é inferior a 0,25 cm.


Les Chip
As batatas fritas são fatias muito finas de batatas fritas em óleo, polvilhadas levemente com sal ou temperadas. A invenção das batatas fritas é creditada a George Crum, um chef no Moon Lake Lodge em Saratoga Springs, Nova York, em 24 de agosto de 1853. Foi por causa de um cliente particularmente exigente que George Crum desenvolveu essa preparação de batata frita. Pela segunda vez consecutiva, o cliente recusou seu prato de batatas fritas, dizendo ser muito grosso para o seu gosto. Enervado, o Chef George Crum decide cortar as batatas o mais fino possível. Alguns minutos de fritura, um pouco de sal e elas estavam prontas. Mas contra todas as probabilidades, esses chips de batatas fritas" foram um verdadeiro sucesso. George Crum até decide tornar sua especialidade e a inclui na sua carta apresentada ao público. Os chips de batata se tornaram uma especialidade com o nome do Village, Saratoga Chips. No entanto, Georges Crum é afro-americano e nativo americano, ele não pediu patente nos Estados Unidos para esta invenção.



Les pommes allumettes
Les pommes allumettes são batatas fritas cortadas em bastonetes de uma seção de 0,5 cm, muitas vezes usadas em restaurantes de fast food.


Pommes  bûches
Les Pommes  bûches são batatas fritas cortadas em seção quadrada de 2 cm.


Pommes Chatouillard
Les pommes Chatouillard são o nome de uma preparação de batata em fitas longas e fritas.






Pommes Dauphine
Já tratamos sobre elas AQUI.  Les pommes Dauphine uma especialidade culinária francesa, são bolinhas de massa feitas de uma mistura de purê de batata e de pastelaria choux. As almôndegas são tipicamente fritas em óleo. A expressão "Maçãs Dauphine" é datada de 1891, e teria aparecido em 1864 sob a forma de "Batatas à la Dauphine". O "Dauphine" refere-se à esposa do Dauphin, herdeira coroa presuntiva da França sob o antigo regime.



Pommes gaufrettes
Les pommes gaufrettes são batatas fritas cortada no formato de grades ou grelhas com ajuda de cortadores especiais.



Pommes Lorette
Les pommes Lorette devem seu nome a um distrito de Paris, Notre Dame de Lorette. São uma preparação de batata consistindo de uma mistura de massa bomba e purê de batata, que é depois frita. As Lorette são moldadas em formatos de crescentes a partir de uma mistura de ovos com adição de queijo ralado, noz-moscada, perfeitas para acompanhar peixe.


Pommes en nid
Les pommes en nid trata-se de palhas de batata moldada em formato de ninho e depois fritas. 

Pommes noisette ou pommes de terre noisette
Les pommes noisette  são pequenas bolinhas de batata que são. A expressão "pommes noisette", trata-se por analogia à forma das avelãs, foi comprovada desde 1887, em uma receita de "Carré de veau garni aux pommes Noisettes ", publicada no Cook's Progress (Journal of the French Cook's Federation) ) de 15 de novembro de 1887.



Pommes pailles
A famosa batata palha são batatas fritas cortadas em varas de uma seção de 0,25 cm de largura. 

Pommes Pont-Neuf

As primeiras batatas fritas de Paris teriam sido vendidas em Pont-Neuf. Tratam-se de batatas fritas cortadas em bastões de 1 cm de largura, e são conhecidas como la frite parisienne.


Pommes soufflées
Les pommes soufflées são batatas fritas infladas pela segunda fritura.


Para finalizar essa postagem, seria interessante comer umas fritas. E, para tanto, segue-se uma receita de fritas sugerida por Urbain Dubois, um dos maiores cozinheiros do XIX, em seu livro de receitas "The New Bourgeois Cuisine" 1890, onde ele se permite como um bom cozinheiro francês reivindicar para França a invenção das fritas. A ideia é simples e de fácil execução. Aproveite!

Les Frites Soufflé
3 unidades de batatas Asterix
Óleo para fritar
Salsinha para decorar

Preparo: lave e seque bem as batatas. Corte as batatas em fatias grossas –  se preferir, não precisa tirar a casca – mas, para isso use batatas de ‘confiança’. No fogão, coloque duas panelas com óleo, em temperaturas diferentes. Frite as batatas primeiro no óleo pouco quente, a 140°C, até elas estufarem. Em seguida, passe-as para a panela com óleo bem quente, a 180°C, até elas subirem na panela. Retire as batatas, deixe o excesso de óleo escorrer e decore com salsinha. Pronto!

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