domingo, 8 de março de 2015

A Caponata


Devo confessar que eu não era lá muito fã de berinjela – talvez porque eu sempre vi pessoas da minha família usando-a apenas como remédio para diminuir o colesterol. Mas quando consegui educar meu paladar e sentir o que de bom a berinjela tinha para me oferecer, então passei a utilizá-la em preparações mais cotidianamente (outro dia inventei uma sopa de berinjela com amendoim, gostei do resultado mas continuo fazendo testes para deixá-la digna de ser postada aqui). Entretanto, com tantas possibilidades de preparo, gosto dos antepastos feitos com berinjela e, possivelmente, a caponata seja um dos que mais aprecio.


Certamente, os árabes não sabiam que sua presença iria impactar tão profundamente a cozinha siciliana quando eles aportaram no Cabo Gronitola, perto de Mazara del Vallo, em 17 de junho de 827.
Dentre hábitos, costumes e produtos que os árabes agregaram â Sicília, está a berinjela, vegetal não conhecido naquela região antes da presença árabe que se tornaria a base para muitas preparações da cozinha siciliana, e essencial para a caponata, o antepasto siciliano famoso mundialmente.



Se observarmos bem, a caponata é exemplo de pura troca de relações comerciais e culturais: o tomate, ingrediente que compõe a caponata, apareceu lá quando Cristovão Colombo os levou das Américas – sua terra natal. (Os demais ingredientes da caponata – cebolas, azeitonas, alcaparras, aipo, vinagre e o açúcar – já eram conhecidos e usados).



As receitas de caponata variam de província para província siciliana; algumas incluem ainda ingredientes como amêndoa, pinoli, uva passa, anchova. A receita original da caponata é, basicamente, um refogado com os ingredientes, sendo admitidas algumas variações em seus ingredientes e temperos.
Pode ser servida como acompanhamento ou como único prato -- piatto único --, principalmente no verão. Mas sua versatilidade é tamanha que ainda pode ser servida para acompanhar massas e assados. À medida em que for usada, e se sobrar, para guardar é recomendável manter coberta com azeite para conservar.



Quanto a origem da preparação, as especulações existem para dar misticismo ao prato. De acordo com Clifford A. Wright, historiador de culinária mediterrânea, a caponata nasce na Catalunha, muito embora o nome caponata possa enganar os afoitos em linguística, pois leva qualquer um a pensar que seja algo relacionado com capo, nome dado aos chefões mafiosos. Claro que a popularidade deste antepasto na Sicília reforça ainda mais a tese do senso comum com a máfia.
Pino Correnti, outra autoridade para alimentos sicilianos, acredita que a origem seja proveniente da palavra catalã caponada, cujo significado é "algo relacionado às videiras", mas que "também pode se referir a um recinto onde os animais são engordados para o abate”



Um tipo semelhante de antepasto com esse nome aparece pela primeira vez na etimologia siciliana em 1709. Mas a raiz da palavra Capón figura na expressão Capón de galera que é um gaspacho ou um prato como a caponata geralmente servido à bordo de navios. 
De acordo com Juan de la Mata em ‘Arte de REPOSTERIA’, publicado em 1747, o gazpacho mais comum era conhecida como Capón de galera e consistia em um quilo de crosta de pão embebido em água e colocado em um molho de ossos de anchovas, alho e vinagre, açúcar, sal e azeite e deixado em descanso para amolecer. Então, alguém teria acrescentado "alguns dos ingredientes e produtos hortícolas da Royal Salad [uma salada composta de várias frutas e legumes]."





Alberto Denti di Pirajno, erudito siciliano, médico e gastrônomo, sugere que o prato nasceu dentro de navios, como pequeno-almoço de marinheiros – tornou-se prático por causa da quantidade de vinagre usado, que teria agido como conservante para a preparação que resistia bem. Já, Giuseppe Coria, autoridade sobre culinária siciliana, oferece uma outra sugestão: diz que a palavra deriva do caupo palavra latina para taverna onde cauponae era servido, ou seja, comida de taverna para viajantes. Mesmo que essa interpretação esteja correta, cauponae certamente não era a caponata que conhecemos hoje. Seja como for, a caponata acabou chegando por aqui com os imigrantes italianos, e é conhecida no Brasil como Caponata Italiana ou Siciliana. 
A primeira receita que encontrei de um prato que é uma espécie de caponata é o Cappone di galera alla siciliana, em Francesco Leonardi's L'Apicio moderno (The modern Apicius), publicado em 1790. Aqui está a sua receita:

Mergulhe alguns feijões novos fresco (freselle maiorchine, feijões de Maiorca) em vinho Málaga, em seguida, organizá-los em uma travessa e coloque sobre eles uma guarnição de filés de anchova e finas fatias de salame de atum, enxaguadas do seu sal, alcaparras , pedaços de casca de limão, fatias azeitonas, camarão frito e lulas, ostras pochê ligeiramente em seu próprio líquido e vários filetes de linguattola frito [Citharus Linguatula, uma espécie de peixe chato] até que o prato esteja decorado e completos. No momento de servir, despeje sobre ele um molho feito da seguinte forma: em um pilão amassar duas onças de pistachios verdes descascadas embebidos em azeite de oliva, vinagre e estragão ou vinagre, sal e pimenta moída.




Se considerarmos a caponata como uma preparação feita dentro de navios, por marinheiros, podemos entender porque ela aparece com ingredientes de cortes rústicos, maiores e menos definidos. Independentemente disso, que não afeta em nada o sabor da preparação, sugiro que você se aventure numa empreitada gastronômica e prepare sua caponata. Abaixo, deixo três versos par você se inspirar, e criar a sua.
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Caponata Siciliana

500 gramas de berinjelas
200 gramas de cebolas roxas bem picadas
100 gramas de aipo
50 gramas de alcaparras salgadas, lavadas e escorridas
100 gramas de azeitonas verdes picadas
300 gramas de tomates maduros sem pele e sem sementes cortados em cubos
20 gramas de manjericão
20 gramas de amêndoas tostadas e laminadas (opcional)
1 colher de sopa de açúcar
150 ml de vinagre de vinho tinto
Azeite extra virgem a gosto
Sal e pimenta do reino a gosto

Preparo: Lave bem as berinjelas, corte em cubos, polvilhe com sal e deixe escorrer em uma peneira por, pelo menos, 1 hora. Após este tempo, seque-os com um pano. Em uma frigideira, coloque a cebola com umas 4 colheres de azeite, cubra e refogue por uns 2 minutos. Adicione o aipo, uma pitada de sal e deixe refogar até que fiquem macios. Reserve. Em outra frigideira, aqueça uma certa quantidade de azeite suficiente e coloque uma pequena quantidade de berinjelas para dourar. Repita a operação com toda a porção. Retire-as da frigideira e reserve em papel-toalha. Na mesma frigideira, refogue os tomates por alguns minutos e coloque algumas folhas de manjericão para saborizá-los. Adicione as berinjelas reservadas, o aipo e as cebolas, um toque de pimenta do reino, acerte o sal, se necessário, e deixe cozinhar até que fiquem macios. Em seguida, acrescente, as alcaparras e as azeitonas. Por último, o vinagre de vinho tinto misturado com o açúcar. Mexa tudo muito bem, desligue o fogo, regue com azeite e deixe esfriar. Na hora de saborear, decore com folhas de manjericão e sirva com pão italiano ligeiramente aquecido e um vinho branco de ótima qualidade!

Caponata de forno

2 berinjelas cortadas em cubo
Folhas de manjericão e salsinha
100 ml de azeite
1 cebola cortada em cubo
1 talo de salsão
2 tomates sem pele e sem semente
6 dentes de alho em rodelas
2 colheres de uva passa
1 colher de sobremesa de pimenta dedo de moça picada
2 colheres de alcaparra
1 colher de sopa de açúcar
Meia xícara de vinagre de vinho tinto
Azeitonas picadas
Sal a gosto

Preparo: Cozinhar a berinjela cortada, com sal, em banho-maria. Depois de cozida, colocar a berinjela em um pano de prato limpo para dar uma leve drenada, secar e reservar. Refogar a cebola picada com o salsão, acrescentar a berinjela e refogar mexendo, depois junte os tomates, o alho, uva passas, alcaparras, pimenta dedo de moça e as azeitonas. Despejar o vinagre com o açúcar, sal as folhas de manjericão, salsinha e regar com o azeite. Levar ao forno tampado com papel alumínio a 180 graus por 40 minutos, depois retirar o papel alumínio e deixar por mais 15 minutos.

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